quarta-feira, 12 de agosto de 2015

INDICAÇÃO DO ESDRAS TISSEU - FPBB: COMOVENTE! PARAPAN 2015, CALHEIROS NA BOCHA


Parapan 2015 | Calheiros na bocha from MPIX on Vimeo.

Ao menor movimento de Antônio Leme, seu irmão Fernando já sabe o que tem de fazer na partida de bocha paralímpica. Os dois se completam. Um é o cérebro, analisa estratégias para colocar mais bolas perto do alvo; o outro, as mãos, que precisam ser habilidosas e ágeis para montar as calhas exatamente do jeito que o paratleta comandou, sem poder falar ou sequer olhar o jogo. Só uma cumplicidade fraternal como a dos dois consegue superar os desafios dos paratletas com maior comprometimento motor entre todas as modalidades dos Jogos Parapan-Americanos de Toronto. Pessoas que dependem de uma relação forte com seus calheiros - laço familiar no caso do Brasil -, pessoas que precisam de uma vareta entre os dentes ou presa à cabeça para lançar a bola da bocha, pessoas que não se acomodam com suas limitações, que conquistam medalhas - Richardson Santos foi o campeão e Antônio levou o bronze -, pessoas ativas. O Brasil dominou as disputas da bocha no Parapan do Canadá, esteve presente em todos os pódios e conquistou nove medalhas, sendo seis de ouro e três de bronze. O Canadá, segundo colocado, conseguiu apenas um ouro, quatro pratas e um bronze.




























Antônio Leme durante a competição em Toronto - Parapan - AGO 2015 - crédito da foto: Leandra Benajmin/MPIX/CPB

Na bocha, todos os atletas têm limitações físicas muito grande. Eu pensei: “Como alguém assim consegue estar em uma Vila Parapan-Americana?” Isso me emocionou demais. A bocha é a modalidade que mais reforça a expressão de inclusão, porque ela inclui até mesmo deficientes que não poderiam praticar nenhum outro esporte. Eu não tenho nenhuma mobilidade nos braços e nas pernas, mas eu falo, converso. Tem atletas que nem isso. A bocha é capaz de proporcionar esse nível de superação tão grande. Pessoas que poderiam estar em uma cama pelo tamanho de suas dificuldades estão tentando levar a vida, estão se incluindo, socializando. Não tem palavras para descrever. É sentir dentro da alma - contou Daniele Martins, também paratleta da modalidade e auxiliada pela mãe Sandra em Toronto.
Na bocha paralímpica, os atletas competem em cadeiras de rodas lançando bolas para conseguir o maior número de esferas perto da bola-alvo - o Brasil levou os quatro ouros individuais em Toronto, com vitórias de José Chagas (BC1), Maciel de Souza Santos (BC2) e Elisei dos Santos (BC4), além de Richardson. Na classe BC3, os jogadores não têm mobilidade nas mãos e precisam de uma rampa para empurrar a bola, usando uma vara entre os dentes ou presa à cabeça. Os calheiros atuam como as mãos dos paratletas, e a cumplicidade é fundamental para isso, já que há um limite de tempo para montar as calhas e arremessar. É preciso sintonia fina.



ao lado da esposa Adriana, Richardson foi campeão parapan-americano - AGO 2015- foto: Leandra Benjamin/MPIX/CPB

- Tive a sorte de ter minha esposa trabalhando comigo, porque temos uma sintonia muito grande. É uma questão de olhar dentro de quadra. Ela tem a leitura do jogo nos meus olhos. Temos uma afinidade tão grande que antes de falar já sabemos o que fazer. É muito intenso isso, e dá uma ajuda tamanha que o calheiro e o atleta acabam virando um só - explicou Richardson Ferreira da Rocha Almeida dos Santos, que tem como calheira a esposa Adriana.

O ATIRADO ANTÔNIO
Cada um dos três brasileiros da classe BC3 em Toronto tem uma história particular de superação e a mesma determinação de se manterem ativos apesar dos desafios que lhes foram proporcionados por acidentes da vida. O de Antônio Leme, conhecido pelo diminutivo carinhoso de Tó, aconteceu ainda na barriga da mãe. Por um erro no parto, o cordão umbilical estourou antes da hora, faltou oxigênio no cérebro, que resultou em uma paralisia cerebral. Ele tem um comprometimento motor muito grande, sem mobilidade de braços, pernas, mãos e pés. A língua presa também dificulta a comunicação, mas não com o irmão Fernando, seu calheiro.
- Fico ali obedecendo os comandos dele. Não pode falar nada. Ter o entendimento é muito importante nessa classe, principalmente no caso dele que o comprometimento físico é maior. Ele só se mexe e já sei o que ele quer que eu faça. É necessária essa cumplicidade - contou Fernando, que aos 42 anos se dedica ao irmão, cinco anos mais velho.



Antônio Leme - Bocha - Parapan - Agosto 2015 - crédito da foto: Leandra Benjamin / MPIX / CPB
Apesar de suas limitações motoras, Antônio sempre foi muito atirado - segundo Fernando. Em sua cadeira de rodas mecânica, ele saia pelas ruas de Jacareí, interior de São Paulo, vendendo salgadinhos. Os parentes só ajudavam montando uma barraca presa à cadeira antes de ele sair de casa. Em um desses passeios, foi convidado a conhecer a bocha.
- Ele sempre foi independente, sempre lutou contra a doença dele nesse sentido de sair para a rua. Um professor de Educação Física de Jacareí o viu na rua e o convidou para fazer um teste. Ele conta até hoje que achou que o rapaz estava tirando sarro: “Como eu vou ser atleta? O que eu vou fazer?” Eles marcaram o teste e foi amor à primeira vista. 


Daniele Martins recebe o auxílio da sua mãe e calheira, Sandra - Paranan - AGO 2015 - crédito da foto: Leandra Benjamin /MPIX/CPB)
A DETERMINADA DANI
Assim como o amigo Tó, Daniele Martins tem essa determinação de se manter ativa, algo que parece intrínseco aos sobreviventes. Há 20 anos, ela era uma garota de 12 anos e teve de superar uma tragédia familiar. Em um passeio de domingo, a barra de direção do carro quebrou, e o veículo capotou. Das dez pessoas dentro do veículo - naquela época isso não era raro - dois dos quatro adultos faleceram: uma amiga da mãe Sandra e o padrasto Sebastião Ronaldo, única figura paterna que Dani conheceu. A garota teve uma lesão raquimedular na cervical, perdeu os movimentos dos braços e das pernas, mas não a vontade de viver, mais do que a de sobreviver.
- O mais importante é que nunca me mantive isolada do mundo. Desde criança, minha vontade sempre foi estudar e trabalhar, arrumar alguma coisa para fazer que me desse um retorno social e financeiro. Nunca tive um benefício pela minha condição e nem quero me encostar em um benefício, ficar acomodada. Quero ter uma profissão. Quero me desenvolver, ajudar minha família, mas não imaginava um trabalho específico quando eu era mais nova - contou a paratleta.
Dani se formou em comunicação com habilitação em relações públicas, um tema que a fascina e que ela leva para bocha, seu foco total tão perto das Paralimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016. Ela começou na bocha por incentivo da irmã mais nova, Franciele, sua primeira calheira. Sandra sempre acompanhou as filhas, deu o primeiro passo na bocha sendo auxiliar de paratletas em outras classes, que não usam calheiras, mas precisam de ajuda para posicionar a cadeira de rodas e para segurar as bolas. Só em 2010 mãe e filha começaram a jogar juntas.
- A Daniele falava: “A minha mãe cuida melhor de mim no pessoal, para ser calha a Franciele é melhor”. Eu tive de me adaptar. Foi bom, porque é uma oportunidade de representar o país também. Trabalhamos muito para isso. Precisa ter muita atenção. Às vezes ela está muito concentrada e fala baixo o que quer que eu faça. Preciso estar o tempo todo ligada nela, vendo os movimentos. O que ela pede para fazer, tento fazer da melhor forma. Fico bem tensa na hora do jogo - contou Sandra.

O BRINCALHÃO RICHARDSON
Do trio brasileiro da classe BC3 em Toronto, Richardson Ferreira da Rocha Almeida dos Santos foi o único a perder os movimentos de braços e pernas já adulto. Em agosto de 2005, sofreu um grave acidente de trabalho. Subiu em uma empilhadeira a mais de seis metros de altura para organizar as mercadorias que a empresa transportava, acabou caindo de ponta-cabeça. Sem saber o que o futuro lhe reservava depois da lesão, Richardson abusou de suas brincadeiras e do seu lado positivo, o que o ajudou em uma rápida reabilitação. Em um ano, já estava jogando bocha.
- A gente não tinha noção do que iria acontecer nos dias seguintes da lesão. Eu tinha um senso de humor diferenciado, gostava de brincar, isso fez eu superar melhor os dias no hospital. Acabei me recuperando aos poucos, quando eu vi já estava começando a praticar o esporte. Imaginava que poderia ser pior, que eu poderia estar vegetando em uma cama. Pela lesão, eu nem imaginava que poderia praticar um esporte. Na fisioterapia, recebi o convite para conhecer a bocha. Primeiro não imaginava que poderia ter o desempenho que tenho hoje. Fui competindo e pegando gosto. Hoje para mim é difícil ficar sem treinar - contou Richardson, que antes do acidente já tinha se aventurado no taekwondo, na capoeira, no judô e no basquete, mas não no alto rendimento.




Richardson conta com a ajuda da esposa Adriana para montar calhas - Parapan - AGO 2015 - crédito da foto: Marcos Guerra


Adriana já era casada com Richardson à época do acidente. A relação entre os dois só se estreitou desde então. Ela virou calheira e abraçou o sonho do marido de continuar no esporte e de disputar as Paralimpíadas do Rio. A afinidade entre os dois é grande, mas, como em todo casal, há atritos de vez em quando.
- Quando estamos bem ajuda muito ser casado, porque precisa de um equilíbrio muito grande. Temos o auxílio da nossa psicóloga do esporte. Sem isso é complicado, tanto para ele quanto para mim. A bocha precisa muito do apoio familiar. É um esporte que precisa de dedicação. Como esposa, sempre quis proporcionar a ele uma vida mais próxima possível do comum, de como era antigamente. Veio essa oportunidade de praticar um esporte, ele gostou, fomos indo e estamos aqui hoje - disse Adriana.
Ativos, unidos e incluídos, os paratletas da classe BC3 bocha já haviam conquistado o bronze na prova de duplas - os três se revezavam nos jogos -, e nesta terça dominaram o pódio da disputa individual, com o ouro de Richardson e o bronze de Antônio.

*crédítos: portal Globo Esporte - clique aqui.
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